segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Camille Claudel




Tinha uns dentes de criança posto em um sorriso contido. Era escultura. Cuspia o mundo e o encarnava com as mãos. Parecia guardar em si o gérmen da criação , pequeno legado trágico de toda mulher , pequeno suspiro trágico relegado . Guardava qualquer coisa de Camille qualquer coisa de Claudel.
Sentia bem mais do que deveria , os latinos tem esse costume não é? Sentia o que é amorfo tomando forma , a dança da fumaça dos cigarros e até as nódoas no lençol lhe causavam uma tristeza meio pálida . Bem pouca é verdade, mas ainda tristeza.
Ela sempre se encantou pelas coisas que não tem limitações, pelos hiatos existenciais e por tudo que , sendo ausente , muito nos atormenta . Amorfo . A-mor-fo repetia ela com sua boca pequena e quase pagã.
Sentia um ímpeto de esculpir essa dor -que nem chega a ser dor- e que é , na realidade , a condição humana de “ carregar o próprio cadáver nas costas” . Esculpia corpos, destruía alguns depois ...gostava de vê-los abertos , dissecados como se pudesse libertar um pedaço de alma , uma alma de argila.
Sempre lhe espantou que a alma precisasse de um sacrário. Deve ser a maneira de Deus não nos assustar, pois o amorfo muito assusta, já que não é a curva de uma bela silueta . Ele é , antes , o que está preso e está muito além dos mosaicos , vitrais , medievais . Um sopro de vida
Com as mãos bem úmidas preparava-se para dilacerar mais um de seus corpos – areia lúcida – e vê-los , sem sangue , ruir . Ruir como um pequeno império , como “rainha nascida destronada” que pisoteada faz alastrar um gemido que é amargo e libertador, também seu legado de mulher. Preparava-se quando bateram a sua porta.
Era um grande escultor, seu professor, grande gênio. Destes que domesticam talentos e que buscam discípulo
Entrou , olhou –a - Ela sorria com pouca veemência , como se lhe descobrissem o pequeno segredo da existência e como se o corpo a ser aberto ali fosse o seu – e percebendo o que se passava , disse-lhe :

- Não sabe, ao acaso , o peso da criação?

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