domingo, 4 de abril de 2010

Insone , mas parnasiana

A vulgaridade não existe quando há fascínio. Quando nada houver, ofereça chocolates.Não há muita metafísica neles.
Pensava só em chocolates ao passar pela confeitaria , quando avistou bem ao fundo , depois do vidro, a garota que os vendia. Tinha traços tênues e os olhos dela eram tão verdes, quase cítricos, como polpa de kiwi, com linhas de carambolas cortadas formando estrelas discretas e pintinhas mais escuras de cacau. Sentiu uma inveja desmaiada. Os seus eram cor de chuva no rio, enevoados, úmidos e sem elucubrações.
Ela tinha nascido para dentro – insone, mas parnasiana – talvez por isso não tivesse olhos tão tropicais, tinha antes, forças atávicas que a impeliam mais para o norte, muito além do trópico de câncer, para aquele país sem matizes nos quais se esconde o rosto atrás de guarda-chuvas fingindo possuir segredos inconfessáveis.. onde a polidez sucumbe em suicídios lentos. O tédio é que mata, nós é que lhe atribuímos variados nomes.
Sim, é isso. O tédio cortante , lâmina ferida. Concluía olhando a faca ingênua na qual deslizava preguiçosa, a calda escura e muito doce.
A morte não era o que pensava – o suicídio enovela os profundos e atormentados, e é nada poético com facas de serrinha.
Era rasa, rasa tal qual o rio de seus olhos, apenas gostava das formas espiraladas com que se davam com os reflexos do sol naquela faca. Pouco vulgar menos ainda pretensioso.
Era bem verdade: Não sabia afogar-se - tentativa intrépida. O vazio era sua matéria.
Não há tantos mistérios em não tê-los.

Um comentário:

  1. Como um projétil, o teu texto me inquietou. Considero a inquietação a característica mais forte da arte de escrever. Talvez agora eu fique sonhando com aquela que nasceu para dentro, como eu mesmo nasci.

    Seu texto me soa muito poético, embora lavrados em linha contínua.

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